Bruxelas — Políticos e analistas europeus estão acusando Washington de travar uma “guerra política” contra Bruxelas depois que o governo do presidente dos EUA, Donald Trump, revelou uma nova estratégia de segurança nacional, prometendo apoio a “partidos europeus patrióticos” e com o objetivo de “cultivar resistência” à direção atual do continente.
O documento de 33 páginas, tradicionalmente publicado uma vez por mandato presidencial, trata a Europa menos como um aliado de longa data e mais como um continente em risco de “apagamento civilizacional”. Ele critica a Europa por ser prejudicada pela “asfixia regulatória”, vulnerável às pressões migratórias e politicamente fragmentada.
Para muitos em Bruxelas, a mensagem é clara: Washington acredita agora que uma Europa mais fraca e dividida, com uma influência mais assertiva dos EUA na sua política interna, serve os interesses americanos.
GUERRA, AMEAÇA, ATAQUE HÍBRIDO
“Acho que eles são fracos”, disse Trump em entrevista ao POLITICO na Casa Branca na segunda-feira, referindo-se aos líderes europeus. “Acho que eles não sabem o que fazer… A Europa não sabe o que fazer.”
O documento estratégico dos EUA culpa organismos transnacionais como a União Europeia (UE) por minar a “liberdade política e a soberania”, alerta que a migração está transformando o continente e lamenta a “censura da liberdade de expressão e a repressão da oposição política”.
“Se as tendências atuais continuarem, o continente estará irreconhecível em 20 anos ou menos”, diz o documento, questionando a confiabilidade a longo prazo de alguns membros da OTAN.
Ele declara que os Estados Unidos irão “cultivar a resistência à trajetória atual da Europa dentro das nações europeias” e apoiar aqueles que buscam “restaurar sua antiga grandeza”.
O ex-chefe da política externa da UE, Josep Borrell, disse que a estratégia equivale a uma “declaração de guerra política”, argumentando que Trump quer uma Europa “dividida em nações, subordinadas às suas exigências e preferências eleitorais”.
Os líderes europeus, disse ele, devem tratar Trump como um adversário e reforçar a autonomia da UE em tecnologia, segurança e política externa.
O presidente do Conselho Europeu, Antonio Costa, advertiu Washington contra a interferência. “Os aliados devem agir como aliados”, escreveu ele na plataforma social X. “O que não podemos aceitar é a interferência na vida democrática da Europa.”
Pawel Zerka, membro sênior do Conselho Europeu de Relações Exteriores, chamou o documento de “um guia para a guerra cultural de Trump com a Europa”, dizendo que os Estados Unidos abandonaram a pretensão de ficar fora da política interna da Europa e agora enquadram a interferência como benevolência: um esforço para manter a “Europa europeia”.
Outros analistas afirmaram que o documento é invulgarmente explícito ao sinalizar os parceiros políticos preferidos de Washington.
Fabian Zuleeg, diretor executivo do Centro de Política Europeia (EPC), e seu colega Janis Emmanouilidis alertaram que a estratégia se alinha “flagrantemente” com forças iliberais e usa uma linguagem que se aproxima de uma “agenda de mudança de regime”.
Na sua opinião, os Estados Unidos estão tentando substituir seu modelo democrático pelo populismo iliberal, tornando a América “um adversário e uma ameaça visível” às liberdades e aos valores da Europa.
Sven Biscop, que dirige o programa “Europa no Mundo” do Instituto Egmont da Bélgica, classificou o documento como um “ataque híbrido”.
“Em outras palavras, o governo Trump continuará, e provavelmente aumentará, sua interferência ativa em nossas eleições, em apoio às forças antidemocráticas de extrema direita e contra a UE”, disse ele, “isso é um ataque híbrido indesejável”.
Obviamente, os líderes europeus não vão aceitar uma intervenção política direta em suas políticas, disse Max Bergmann, pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington, D.C., alertando que a estratégia de segurança nacional poderia “desencadear uma grande colisão e, potencialmente, o fim da aliança”.

Esta foto tirada em 9 de novembro de 2025 mostra o Capitólio dos Estados Unidos em Washington, D.C., Estados Unidos. (Xinhua/Hu Yousong)
ANTIGOS MEDOS: OTAN E UCRÂNIA
Por trás do conflito ideológico estão ansiedades mais antigas sobre segurança dura: os gastos com defesa da Europa, a direção estratégica da OTAN e o futuro do conflito na Ucrânia.
Na Conferência de Segurança de Munique, em fevereiro, o vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, criticou os governos europeus por seguirem políticas utópicas em relação à migração, ao mesmo tempo em que investem pouco em suas forças armadas. Proferido em um dos palcos mais proeminentes da diplomacia transatlântica, o discurso foi amplamente interpretado como uma prévia dos argumentos agora codificados na Estratégia de Segurança Nacional dos EUA.
A estratégia recém-publicada reitera a exigência de Trump de que os aliados aumentem drasticamente os gastos militares, citando o “Compromisso de Haia”, pelo qual os membros da OTAN se comprometeram a gastar 5% do PIB em defesa. A estratégia insiste que a Europa deve “andar com as próprias pernas” e assumir a responsabilidade principal por sua segurança.
Ao mesmo tempo, questiona “a percepção e a realidade da OTAN como uma aliança em constante expansão” e enfatiza “o restabelecimento da estabilidade estratégica com a Rússia”. A resolução negociada da crise na Ucrânia, a estabilização econômica e a prevenção da escalada são apresentadas como interesses centrais dos EUA.
O texto também retrata algumas capitais europeias como apegadas a “expectativas irrealistas em relação à guerra”, enquanto são governadas por “governos minoritários instáveis”.
Essa linguagem alarma os governos do norte e do leste da Europa.
Mika Aaltola, membro finlandês do Parlamento Europeu, disse que a estratégia reformula os fundamentos da segurança europeia ao sinalizar que o apoio dos EUA será condicionado aos interesses americanos.
Biscop alertou que a estratégia equivale a uma “postura conciliatória em relação à Rússia”, deixando a Europa “realmente por conta própria” na Ucrânia.

Esta foto tirada em 4 de abril de 2024 mostra uma cerimônia de colocação de coroa de flores na sede da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em Bruxelas, Bélgica. (Xinhua/Zhao Dingzhe)
GUERRAS DIGITAIS COMO NOVO PONTO DE CONFLITO
Enquanto a OTAN e a Ucrânia expõem divisões antigas, a pressão da Europa por uma regulamentação digital desencadeou uma série de novas tensões.
A UE passou os últimos anos implementando um novo conjunto de ferramentas regulatórias, incluindo a Lei de Serviços Digitais (DSA) e a Lei de Mercados Digitais, para policiar o conteúdo online e conter o poder de mercado das grandes empresas de tecnologia.
Na semana passada, a Comissão Europeia impôs uma multa de 120 milhões de euros (140 milhões de dólares americanos) à plataforma de mídia social X, de Elon Musk, anteriormente conhecida como Twitter, em sua primeira decisão de não conformidade sob a DSA.
A Comissão também abriu uma investigação antitruste formal sobre a Meta e lançou uma investigação separada para apurar se o Google violou as regras de concorrência da UE na terça-feira.
A resposta dos EUA tem sido excepcionalmente forte. Musk escreveu no X que “a UE deveria ser abolida”, enquanto o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, disse que a multa imposta ao X era “um ataque a todas as plataformas tecnológicas americanas e ao povo americano por parte de governos estrangeiros”.
O vice-secretário de Estado Christopher Landau republicou os comentários de Rubio, escrevendo que o que mais o preocupava era que os Estados Unidos estão “em uma aliança militar com os mesmos países que nos atacam por meio da UE”.
“Não podemos fingir que somos parceiros enquanto essas nações permitem que a burocracia não eleita, antidemocrática e não representativa da UE em Bruxelas persiga políticas de suicídio civilizacional”, disse ele.
Trump classificou a multa como “desagradável” na segunda-feira e disse que “a Europa está indo em uma direção ruim”.
Para analistas europeus, o episódio mostra como a regulamentação digital se tornou rapidamente envolvida em questões mais amplas de poder e identidade.
Zuleeg e Emmanouilidis descreveram a abordagem de Trump como uma forma de “imperialismo digital”, que visa eliminar as restrições europeias às gigantes tecnológicas americanas e, nesse processo, abrir ainda mais a esfera digital a forças iliberais.
O EPC alerta que as forças iliberais na Europa estão “cada vez mais organizadas, conectadas e com mais recursos” e provavelmente se sentirão encorajadas por uma estratégia dos EUA que promete apoiar “partidos europeus patrióticos” enquanto ataca as instituições e regras da UE.
Os Estados Unidos, que após a Segunda Guerra Mundial eram os “maiores defensores da integração política e econômica europeia”, mudaram drasticamente sua política externa em relação ao continente e passaram a exigir intervenção direta na política democrática de seus aliados europeus, afirmou Bergmann. Xinhua







