

Por Ricardo Steinbruch Presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). Fernando Valente Pimentel Diretor-superintendente e presidente emérito da Abit
O comércio internacional vive um período de forte turbulência. Alterações repentinas de tarifas, interrupções de fornecimento e barreiras não tarifárias têm se tornado o novo normal de um mundo em disputa por mercados e influência econômica. Nesse contexto, países e blocos também aceleram a busca por novos acordos comerciais, como é o caso das negociações entre Mercosul e União Europeia, que ganharam nova tração e podem ser concluídas ainda este ano.
Entretanto, essas mudanças produzem efeitos colaterais importantes. Podem redirecionar fluxos de comércio de maneira intensa e súbita, gerando severos impactos nas economias e nas indústrias locais. No Brasil, um setor emblemático desse fenômeno é a indústria têxtil e de confecção, uma das maiores do mundo e integrada do campo à moda, que vem sofrendo uma volumosa invasão de excedentes produtivos internacionais, especialmente de países asiáticos, com destaque para a China.
Diante dessa pressão, nosso país precisa avançar em duas frentes complementares. A primeira é a agenda ofensiva: ampliação de competitividade, inserção em novos mercados, inovação e produtividade. A segunda, de igual relevância, é a agenda defensiva: uso assertivo e legítimo dos instrumentos de defesa comercial, como processos antidumping, salvaguardas e cotas, para combater concorrência desleal e restabelecer condições equitativas de competição.
Cabe enfatizar que o acionamento de mecanismos de defesa comercial é um direito assegurado às nações e aos setores produtivos que comprovem estar sendo prejudicados por práticas desleais ou aumento repentino e significativo das importações. Uma vez constatado o dano, o Estado deve agir para corrigir as assimetrias e devolver isonomia ao mercado.
Porém, há um desafio crucial quanto ao setor têxtil e de confecção. Por se tratar de uma cadeia produtiva longa, abrangendo a produção de fibras naturais, sintéticas e artificiais, fiação, tecelagem, acabamento, confecção e varejo, medidas de defesa comercial fragmentadas, aplicadas apenas em um elo específico, podem simplesmente empurrar o problema para frente. Se um estágio da produção tem aplicação de uma medida, as importações migram para o elo seguinte, de maior valor agregado. No limite, isso pode resultar em um cenário dramático, com o fechamento de indústrias ao longo de toda a cadeia e a invasão definitiva de produtos acabados importados, com perda de milhares de empregos e investimentos no Brasil.
Por isso, o momento exige visão sistêmica. A defesa comercial deve ser pensada como política integrada, com coordenação entre todos os elos, das fibras ao vestuário, e com forte suporte governamental. Somente assim será possível preservar a competitividade do setor como um todo e evitar que ações corretas, porém isoladas, produzam um resultado indesejado no conjunto da indústria.
O Brasil tem oportunidade única. Possui uma das poucas cadeias têxteis completas do planeta, gera inovação, emprego e renda em centenas de municípios e está preparado para competir, desde que as regras do jogo sejam equilibradas. A defesa comercial responsável não é protecionismo, mas sim segurança econômica, justiça competitiva e soberania produtiva. Em tempos de incertezas no mundo, proteger nosso parque industrial é legítimo e indispensável para garantir um futuro mais próspero para o Brasil.