Fim da emergência de saúde da covid pode impactar legislação e políticas públicas

Comitê da Câmara de Comércio Exterior aprova novas reduções de tarifas
Navio de pesquisa chinês retorna de expedição no oeste do Pacífico

Fim da emergência de saúde da covid pode impactar legislação e políticas públicas

Foto: Ascom/Prefeitura Lauro de Freitas

O fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), anunciado no último domingo (17) pelo governo, pode ter impactos em várias leis relacionadas à pandemia aprovadas pelo Congresso desde 2020. Entre as medidas que podem ser afetadas, caso não sejam definidas regras para transição, está a autorização para o uso emergencial de vacinas que ainda não contam com registro, como é o caso da Coronavac.

Desde o início da pandemia, em 2020, a página da Casa Civil já soma mais de 660 atos normativos relacionados à covid-19, entre leis, decretos, portarias e resoluções. Desse total, 94 são leis, muitas delas com a vigência vinculada à Espin. Isso significa que, caso o governo formalize o fim da emergência de saúde pública, algumas dessas regras podem deixar de surtir efeitos.

Segundo o consultor legislativo da área de Saúde Flavio Palhano, ainda não é possível mensurar o impacto preciso do possível fim da emergência sem que o governo tenha formalizado essa decisão, o que provavelmente será feito por meio de uma portaria. Uma das principais regras que poderiam ser afetadas, na avaliação do consultor, é a autorização para o uso emergencial de vacinas, prevista em resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A resolução prevê esse uso enquanto durar a emergência de saúde.

— Entre os imunizantes em uso no país, a maior parte já tem o registro definitivo. É o caso das vacinas da Pfizer, Janssen e AstraZeneca. No caso da CoronaVac, o que há é apenas a autorização para uso emergencial. Caso seja oficializado o fim da emergência, essa autorização pode deixar de valer, mas é uma situação que poderia ser resolvida de forma infralegal, provavelmente por meio de uma nova resolução da Anvisa — explicou.

O Ministério da Saúde já informou ter pedido à Anvisa que estenda o prazo para o uso emergencial de medicamentos e imunizantes  relacionados à covid-19 em um ano após o término da crise sanitária. A Agência informou que o processo de revisão das resoluções já foi iniciado.

Espin

A emergência em saúde pública de importância nacional em decorrência da infecção humana pelo novo coronavírus foi declarada pelo governo em fevereiro de 2020. Logo depois, a Câmara e o Senado aprovaram projeto para regulamentar as medidas que deveriam ser adotadas pelas autoridades sanitárias em caso de emergência de saúde pública provocada pelo coronavírus (PL 23/2020). O projeto foi transformado na Lei 13.979, de 2020.

É nessa lei que estão as primeiras medidas vinculadas à emergência — como a possibilidade de isolamento e quarentena, fechamento temporário de portos, rodovias e aeroportos e tratamentos médicos específicos —, que poderiam perder a vigência com o fim da Espin. Segundo Flavio Palhano, na prática, é improvável que isso aconteça. Isso ocorre porque a lei, na verdade, era vinculada ao Decreto Legislativo 6/2020, que perdeu a validade em dezembro de 2020.

— Algumas regras dessa lei continuam em vigor por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que estendeu a vigência dos dispositivos com medidas sanitárias de combate à pandemia da covid-19. A decisão não vinculou a duração das medidas à emergência de saúde pública, o que torna improvável que as medidas sejam afetadas pelo fim da Espin — explicou.

O consultor também citou a emenda constitucional que institui o chamado Orçamento de Guerra (Emenda Constitucional 106, de 2020). A emenda facilitou os gastos do governo federal no combate à pandemia de coronavírus ao separar os gastos com a pandemia do Orçamento Geral da União. Essa emenda, segundo Palhano, é um exemplo das normas que não vão ser afetadas com o fim da Espin, já que a vigência era vinculada à calamidade pública, encerrada em 2020.

Insumos e vacinas

Outras leis que citam o estado de emergência e que podem sofrer impactos com o fim da Espin são a que proíbe a exportação de produtos médicos, hospitalares e de higiene essenciais ao combate à epidemia de coronavírus no Brasil (Lei 13.993, de 2020) e a que facilita a compra de vacinas contra a covid-19 (Lei 14.124, de 2021).

Para Palhano, na prática, algumas leis podem não sofrer grandes impactos porque tratam de situações que já não são presentes no momento atual, como a escassez de vacinas com registro. É o caso da lei que permite à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizar a importação e a distribuição de medicamentos e equipamentos contra a covid-19 já liberados para uso no exterior (Lei 14.006, de 2020). Também há casos de leis referentes a práticas que já se consolidaram, como o uso da telemedicina, autorizado pela Lei 13.989, de 2020.

— É mais um caso no qual é improvável que haja impacto com fim da emergência porque já foi estabelecido esse sistema de atendimento por telemedicina.

Ele também citou a Lei 14.125, de 2021, que autoriza estados, Distrito Federal e municípios a assumirem a responsabilidade civil em relação a efeitos adversos pós-vacinação. Essa autorização era uma exigência de fabricantes como a Pfizer e a Janssen. Segundo o consultor, o efeito prático do fim da Espin sobre essa lei é que pode passar a haver questionamentos na justiça para o fabricante, em vez do governo.

Normas estaduais

Outra preocupação com o fim da emergência é com relação às normas estaduais e municipais vinculadas à pandemia. Segundo o consultor, é muito difícil mensurar os efeitos sobre entes federados porque há uma infinidade de leis e decretos feitos com base na emergência de saúde, que teriam de ser ajustados e atualizados. O fim da emergência poderia afetar políticas públicas locais.

Na terça-feira, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional  de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) enviaram ofício ao Ministério da Saúde no qual manifestaram preocupação com o fim repentino da emergência.

No documento, as entidades pediram que o ministério mantenha a portaria em vigor por mais 90 (noventa) dias e estabeleça “medidas de transição pactuadas, focadas na mobilização pela vacinação e na elaboração de um plano de retomada capaz de definir indicadores e estratégias de controle com vigilância integrada das síndromes respiratórias”.

Pandemia

De acordo com especialistas, é importante deixar claro que o fim da Espin não é a mesma coisa que o fim da pandemia. Em encontro do Observatório covid-19, da Fiocruz, nesta quarta-feira (20), a professora Ethel Maciel, doutora em Epidemiologia, explicou que a OMS decretou a pandemia em 11 de março de 2020 com base em critérios epidemiológicos. Já a Espin é uma situação prevista na Política Nacional de Vigilância Sanitária e significa uma situação que demanda medidas urgentes de prevenção, controle e contenção de riscos.

— A revogação da portaria está na dimensão operacional e precisa ser ancorada em critérios epidemiológicos, que a gente não tem definidos, consensuados internacionalmente. Além disso, não basta revogar a Espin, é preciso um plano de transição — disse a professora.

Para ela, esse período de transição para o fim da fase pandêmica deve ser de preparação para a fase seguinte, interpandêmica, em que poderia haver novas ondas de contágio. Ela explicou que ainda não há um consenso sobre como a imunização contra a covid-19 vai se incorporar ao calendário vacinal, mas será necessário pensar em campanhas para novas doses de reforço semestrais ou anuais.

Em nota divulgada na última semana, a Organização Mundial da Saúde (OMS) manteve a emergência de saúde internacional relacionada ao coronavírus, declarada em janeiro de 2020. Segundo a organização, os países ainda apresentam uma cobertura vacinal muito heterogênea e o comportamento imprevisível do vírus contribui com a continuidade do contexto de pandemia global.

O pesquisador Raphael Guimarães, professor da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz (Ensp/Fiocruz) afirmou que a situação da vacinação no Brasil também é desigual. De acordo com o professor, há estados com quase 90% de cobertura vacinal, enquanto outros estão na casa dos 50%. Ele demonstrou preocupação com o fim da Espin, que, na sua visão, pode dificultar medidas emergenciais de resposta rápida.

— Se a gente for olhar para o Brasil como um todo, o indicador Brasil é favorável, mas os indicadores em nível subnacional não são. Se a gente adota uma medida em escala nacional achando que isso vai ter uma indução verticalizada para estados e municípios e que não terá repercussão na saúde pública desse lugares, a gente está equivocado — alertou o pesquisador.

Fonte: Agência Senado

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *