Beijing – “Em nossas caminhadas no campo, o professor sempre pedia que olhássemos o solo, a água e as plantas, não como obstáculos, mas como mestres silenciosos.” A lembrança de um de seus alunos ressoou de forma profunda após a notícia da morte trágica do arquiteto chinês Yu Kongjian, em um acidente aéreo nesta terça-feira em Aquidauana, no Pantanal, em Mato Grosso do Sul, Brasil.
Reconhecido mundialmente como arquiteto paisagista e professor da Universidade de Pequim, Yu foi o criador do conceito das cidades-esponja. Suas ideias, que integram soluções baseadas na natureza ao planejamento urbano, marcaram não apenas a China, mas também inspiraram outros países na busca por desenvolvimento sustentável.
Yu Kongjian encontrava-se no Brasil com uma missão especial, filmando o documentário Planeta Esponja, acompanhado dos cineastas brasileiros Luiz Fernando Feres da Cunha Ferraz e Rubens Crispim Jr., que também faleceram no acidente.
Na segunda-feira, ele publicou em sua conta no WeChat um vídeo sobre sua exploração do Pantanal, encerrando com a frase — Minha investigação está apenas começando. Yu descreveu a região como o coração do Brasil, da América do Sul e do planeta, destacando sua beleza e importância ecológica.
Nos últimos anos, o Brasil tem enfrentado fortes enchentes, afetando cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Em 2024, uma grande inundação no Rio Grande do Sul deixou 1,84 milhão de pessoas desabrigadas e devastou 1,5 milhão de hectares de plantações. Diante desses desafios, a experiência chinesa em gestão ecológica de águas, incluindo o conceito de cidades-esponja de Yu, tem recebido atenção especial.
Yu defendia “devolver a terra à água”, criando infraestruturas ecológicas capazes de absorver, filtrar e armazenar as chuvas. Essa abordagem se inspirava tanto em soluções contemporâneas quanto na sabedoria ancestral da gestão hídrica chinesa, combinando tradição e inovação.
Nascido em 1963 em uma família rural na Província de Zhejiang, leste da China, Yu cresceu próximo à natureza, aprendendo desde cedo a valorizar a água e o solo. A observação das lagoas e canais locais inspirou anos depois o conceito de cidades-esponja. Yu contava que guardava em casa um punhado de terra de sua aldeia natal, simbolizando sua ligação profunda com o lugar que o inspirou.
Ele próprio resumia sua ambição dizendo que queria aprender com a tradição ecológica da China, restaurar florestas urbanas e ecossistemas degradados e oferecer ao mundo um modelo chinês de baixo carbono, eficaz e adaptável a múltiplas escalas.
“Trata-se de responder às mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, contribuir para a reparação ecológica do planeta”, afirmava.
Além de suas pesquisas e ensino, Yu Kongjian também transformava o mundo ao seu redor com ações concretas. Segundo informações oficiais da Universidade de Pequim, ele liderou uma equipe que realizou mais de mil projetos em mais de 200 cidades na China e no exterior, envolvendo mais de 100 rios e recebendo mais de 100 prêmios internacionais.
O falecimento de Yu Kongjian provocou profundas manifestações de pesar. O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou que Yu se tornou referência mundial em tempos de mudanças climáticas, com as cidades-esponja conciliando qualidade de vida e proteção ambiental. O vice-presidente Geraldo Alckmin também prestou condolências, destacando suas contribuições para o urbanismo sustentável, preservação da biodiversidade e proteção do planeta.
Para gestores e pesquisadores brasileiros, sua visita representava a abertura de uma ponte intelectual entre dois países igualmente desafiados por enchentes, secas e extremos climáticos.
Na China, o Ministério das Relações Exteriores expressou profunda tristeza e solidariedade à família do professor. A Universidade de Pequim ressaltou que Yu foi um educador passional, criador de uma escola de pensamento própria em paisagismo e um defensor incansável da integração entre arte e ecologia.
Colegas e alunos de Yu também expressaram condolências nas redes sociais. Para eles, o legado de Yu vai muito além de seus projetos e publicações, lembrando que é preciso escutar a paisagem de forma paciente, respeitosa e criativa antes de intervir na mesma, mostrando que a criatividade aliada à responsabilidade ambiental é o caminho para cidades mais resilientes, e inspirando novas gerações de arquitetos, urbanistas e pesquisadores em todo o mundo.