A Academia Brasileira de Letras (ABL), no centro da cidade do Rio de Janeiro. Estão representadas em um mural de 150 metros a casa onde o escritor morou, no Morro do Livramento, a Rua do Ouvidor, que lhe era tão querida, no centro da cidade, sua esposa, Carolina Augusta, a paixão pela música clássica, pela literatura e as reflexões sobre vida e morte.
À esquerda, marcando o início da leitura, a letra M ornamentada, como se via no início de livros antigos, que representa também o primeiro trabalho oficial do escritor, como tipógrafo.
O ponto central da obra está em outra paixão do escritor: o xadrez. Um xeque-mate nas discussões sobre a cor da pele do escritor. O Machado de Assis negro derrota na partida um Machado de Assis embranquecido, reafirmando que o primeiro presidente da ABL é um homem negro.
O mural, inaugurado nesta segunda-feira (23), é parte do projeto Negro Muro, idealizado pelo produtor e pesquisador Pedro Rajão e pelo artista Fernando Cazé. Ao todo, são 62 murais pela cidade do Rio de Janeiro que mapeiam a memória negra por meio da arte urbana.
O artista Fernando Cazé e o pesquisador Pedro Rajão, idealizadores do projeto que mapeia a memória negra na cidade do Rio – Tânia Rêgo/Agência Brasil
Rajão conta que procurou a ABL para realizar o trabalho e explica que projeto Muro Negro atua com a produção de murais, que, para ele, é a forma de arte mais democrática possível, está nas ruas, gratuita, à vista de quem por ali passa. O projeto identifica importantes personalidades negras e as registra em territórios que fizeram parte da história e biografia de cada uma.
Chegar à ABL, para Rajão é “uma emoção muito grande. O Machado de Assis é uma das poucas unanimidades nacionais. Então, o projeto que está se debruçando a traçar essa cartografia é um nome meio óbvio. Mas a gente queria um lugar de impacto, um lugar que tivesse uma ressonância para ecoar ainda mais o Machado de Assis, que volta e meia está sendo redescoberto”.
Machado de Assis nasceu e viveu no Rio de Janeiro entre 1839 e 1908. É um dos autores brasileiros mais importante. A obra machadiana é composta por dez romances, 205 contos, dez peças teatrais, cinco coletâneas de poemas e sonetos, e mais de 600 crônicas. É autor de Memórias Póstumas de Brás Cuba, Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó e Memorial de Aires. Foi um dos fundadores e o primeiro presidente da ABL.
O lançamento do mural na ABL contou com apresentações e com mesa-redonda com pesquisadores. A professora e pesquisadora Dandara Suburbana foi uma das debatedoras. “Machado de Assis tem uma importância histórica, como grande fundador aqui da Academia Brasileira de Letras, como um homem negro, que traz uma literatura de excelência para o cenário nacional e internacional, um dos maiores escritores do mundo”, afirma.
“Hoje, quando a gente tem um painel feito como o Negro Muro fez aqui, como o artista Cazé elaborou, é também dar uma estética e trazer história, historicizar Machado de Assis e toda a sua contribuição. Dizendo que sim, pessoas negras escrevem, pessoas negras são intelectuais, pessoas negras têm contribuição para a Academia Brasileira de Letras, para o cenário nacional e internacional de saberes e conhecimentos”, enfatiza.
Dandara Suburbana defende ainda a formação de novos leitores e diz que os jovens, ao contrário do que se pensa, querem e gostam de ler. “Hoje a gente tem um senso comum, um jargão comum de que a juventude não quer ler, de que a juventude não se interessa por escrita, de que a juventude só quer ir para o TikTok, a juventude só quer saber de rede social e Twitter. Isso não é verdade. Inclusive, as redes sociais podem ser aliadas. Temos várias páginas que divulgam literatura negra, que estão falando desse legado, trazendo de maneira divertida, juntando mídias diversas, escrita com o vídeo, com o corpo, com a fala. Então, é possível, sim, a gente pensar em agregar.”